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No dia em que o leão se levantar

O livro de André Martinez “NO DIA EM QUE O LEÃO SE LEVANTAR”,  com o subtítulo “O retrato da hanseníase no Brasil na época dos confinamentos” , de 160 páginas, editado pelo próprio autor, é uma bela e humana obra de ficção.

Como o próprio subtítulo diz, é um retrato da hanseníase no Brasil na época dos confinamentos. André justifica o por que fez um livro de ficção: “Simplesmente por um único motivo: entre as conversas que tive, percebi que ali dentro todos tinham uma identidade e um sonho, que acabaram se perdendo pelo meio do caminho devido à doença. Portanto, na ficção, poderia eu realizar muitos destes sonhos em personagens que mesmo fictícios, foram inspirados em pessoas e fatos reais, que sofreram de forma verdadeira a dor da hanseníase.”

Desde a antiguidade que os doentes de hanseníase eram perseguidos, apedrejados,  chamados cruelmente de leprosos e morféticos. Tinham que viver escondidos e encapuzados, como animais, nas matas.   

Em 1924 iniciou uma pandemia da doença no Brasil, sendo que “O governo está criando a polícia da profilaxia da lepra, que será responsável por captura os doentes. Aqueles que infringirem a lei serão severamente punidos.” Muitas vezes suas casas eram incendiadas. No Brasil, a questão da saúde e a questão social são sempre tratadas como caso de polícia. 

Na cidade de Mogi das Cruzes, cidade de colonização japonesa, voltada à agricultura, “O cinturão verde da Grande São Paulo, foi construído a colônia, com o nome de Hospital Dr. Arnaldo Pezzuti Cavalcanti” (na obra de André, Hospital Colônia Onofre da Costa, em uma grande e bela área. Foram construídos o casarão de bela arquitetura, “carvilles” (habitação coletiva, tipo americana),  cine teatro, campo de futebol, padaria, galpões que abrigavam pequenas fábricas (a colônia fabricava tudo que podia, para ter o mínimo contato com o exterior), cemitério,  e, conforme a ironia de André, “Até mesmo um cassino foi construído para os jogadores, além de uma cadeia para os baderneiros, já que afinal de contas, uma cidade sem cadeia, não é cidade !”  A Santa Casa de Misericórdia ficou de fornecer os médicos e as irmãs carmelitas de cuidar dos doentes. Essa colônia, no entanto, foi cercada como se fosse um campo de concentração, com jagunços armados, prontos para atirar,  caso algum paciente se aventurasse tentar fugir.

Em frente ao casarão, há um leão de concreto, com uma bola de futebol entre as patas dianteiras. Esse leão foi obra de um artista plástico e escultor que foi paciente da colônia. Os pacientes capturados, quando chegavam  à colônia, costumavam indagar quando sairiam dali. A resposta era sempre a mesma, ou seja, a que dá título ao livro. Os paciente não tinham nenhuma alternativa, nenhuma saída. Era uma prisão perpétua.

As pessoas viviam separadas. Não era permitido o namoro. “Demonstrações maiores de afeto em público eram rapidamente repreendidas pelos policiais.” E “Somente as pessoas que já estavam casadas antes de entrarem no hospital, poderiam viver juntas.” As crianças que nasciam era retiradas da mãe e enviadas para orfanatos ou preventórios para doação. Essas crianças eram cruelmente tratadas de “ninhadas de leprosos”. Apenas no início da década de 60 foi permitido o namoro. “Mas de todas as áreas ruins do hospital colônia, nenhuma delas se aproximava ao manicômio, um local onde as condições eram piores que a de animais antes do abate.” E “Os doentes permaneciam por em um verdadeiro depósito humano, estando muitas vezes nus e sujos com suas próprias fezes. O mau cheiro era insuportável. Naquele local, era muito comum aqueles que estavam um pouco menos afetados psicologicamente falando, cometerem o suicídio.”

Os pacientes tinham as correspondências censuradas, ou seja, elas não chegavam aos seus destinatários. Muitos pacientes pensavam que tinham sido abandonadas pelos seus entes queridos e se suicidavam.

A única oportunidade que os doentes tinham de sair da colônia era por ocasião dos campeonatos de futebol. Como com o tempo surgiram mais colônias, nestas eram organizados torneios internos, sendo que a equipe campeã representava a colônia nos campeonatos contra outras colônias. Nessas ocasiões os pacientes viajavam de ônibus, tendo contato com o mundo fora da colônia.

O livro conta também a história de um lenhador que foi líder de sua categoria, tendo organizado greve na fazenda onde trabalhava, trabalhador esse que veio a desenvolver a doença.

O enclausuramento na colônia terminou em 1967. Os americanos descobriram a sulfa para tratamento do hanseníase e pretendiam exportar para o mundo inteiro.  Como o Estado de São Paulo não queria acabar com o enclausuramento,  o que os americanos entendiam como uma propaganda negativa com relação ao remédio que haviam inventado, aí pressionaram o governo brasileiro para acabar com o confinamento. Estavam, ainda, preocupados que a URSS e Cuba inventassem um medicamento ainda melhor.  Esse fato lembra o que aconteceu com o fim do tráfico dos escravos negros no Brasil, quando a Inglaterra, em razão do interesse de seu capitalismo em expansão, visando comercializar seus produtos, impôs o fim do tráfico de seres humanos. O materialismo histórico e a dialética nos ajudam a entender essas contradições, que propiciam o desenvolvimento da humanidade.

Com o fim do confinamento, não terminaram os sofrimentos dos pacientes, pois a doença deixa marcas, atrofia os membros “mãos de garra”, deforma  rosto, a chamada “face leonina”, etc. Muitos pacientes, devido ao preconceito, tinham medo de ser apredrejados, preferiram retornar à colônia, sendo que o governo passou a pagar para eles pensão. “Hoje em dia, o Hospital “Dr. Arnaldo Pezzuti Cavalcanti” é um dos principais da região nas especialidades de UTI pré-natal e doenças infectocontagiosas.”

Assim, a colônia não deixava de ser um campo de concentração. Ela ficou para trás, mas outros campos de concentração existem no Brasil ainda hoje. Não é uma coisa distante que existiu apenas na época do nazismo de Hitler, na Alemanha, na Áustria ou na Polônia. A questão da saúde e social é tratada como caso de polícia. No Brasil, temos a terceira população carcerária do mundo. O que era a Casa de Detenção, no Carandiru, em São Paulo ? O que são os Centros de Detenção Provisória, CDPs  ? O que são os  presídios de segurança máxima ? O que são as prisões pelo País afora ?  Masmorras medievais.

Recomendamos a leitura do livro do André, 36, escritor que possui 14 livros editados, tendo sido vencedor por quatro vezes do prêmio Jovem Brasileiro, nos anos 2009, 2010, 2013 e 2014; apresentador de rádio e TV; colunista de semanal de jornal; e trabalhador telefônico (setor de telecomunicações), sendo que foi graças a essa atividade, ao fazer a manutenção no Hospital “Dr. Arnaldo Pezzuti Cavalcanti” que teve contato com a história da colônia.

Todo esse retrato demonstra que não há saída nos marcos do capitalismo para essa barbárie. Somente 
a luta pelo governo operário e dos trabalhadores, colocará na ordem-do-dia o socialismo para superar o modo de produção capitalista,  por meio de uma economia planificada, com a expropriação dos meios de produção (fábricas, latifúndio, etc), expropriação dos bancos, monopólio do comércio exterior.

Erwin Wolf

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